A Abong – Associação Brasileira de ONGs –  repudia o Projeto de Lei 1904/2024, que teve seu requerimento de urgência aprovado na tarde de quarta-feira, 12 de junho de 2024, no Plenário da Câmara dos Deputados. O projeto pretende tornar o aborto crime de homicídio, incluindo em casos de aborto legal por estupro, garantido pela lei brasileira desde 1940. Esse PL propõe que uma menina ou mulher que sofreu violência sexual e optou pelo aborto  seja condenada a uma pena superior à do estuprador. O aborto é equiparado ao homicídio simples, com pena de 6 a 20 anos de prisão, enquanto o estuprador enfrenta penas de 6 a 10 anos.

Denunciamos a forma antidemocrática, misógina, cruel e autoritária dessa votação relâmpago de 23 segundos, que, ao aprovar o regime de urgência, exclui a discussão em comissões e o debate prévio em Plenário, um princípio democrático fundamental. Esta prática nefasta, liderada por Artur Lira em conluio com setores de extrema direita, compromete a transparência e a justiça do processo legislativo. Além disso, causa-nos estranheza e indignação o fato de esse processo ter sido liderado majoritariamente por homens, ignorando a voz e a experiência das mulheres diretamente afetadas por essa legislação.

Se aprovado, o PL 1904/2024 colocará o Brasil entre os piores países do mundo para as mulheres, especialmente para crianças, mulheres e meninas negras, que já são as principais vítimas de violência sexual e que correm o risco de serem obrigadas a continuar uma gestação resultante de estupro. Isso representa um retrocesso de décadas em termos de direitos sexuais, reprodutivos e proteção às vítimas de violência sexual, violando a Constituição e diversos tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Segundo o estudo Women, Peace and Security Index, de 2022, realizado pelo Instituto da Mulher da Universidade de Georgetown, o Brasil ocupa o 80° lugar no ranking de qualidade de vida para mulheres, dividindo a posição com as Ilhas Fiji e o Suriname. No Brasil, o aborto legal está previsto em lei em casos de i. gravidez que represente risco de vida à mulher; ii. gravidez decorrente de estupro; e iii. em casos de anencefalia fetal. No entanto, apesar da legalidade, crianças, adolescentes, mulheres e pessoas que gestam lidam com todo tipo de constrangimentos e intimidações, mesmo nestes casos previstos em lei, para acessar a garantia dos seus direitos.

Aprovar esse projeto trará consequências nefastas, especialmente para meninas negras e empobrecidas, que já enfrentam violências profundas decorrentes de violações de direitos e agora podem ser criminalizadas e encarceradas por até 20 anos por buscar o direito ao aborto legal, em um país onde cerca de 20 mil crianças dão à luz anualmente.

Exigimos que os Poderes Executivo e Legislativo atuem de forma comprometida e séria, sem alianças eleitoreiras, para garantir que o mérito deste projeto não seja aprovado. Demandamos que o Ministério da Saúde, por meio do SUS, assegure atendimento humanizado ao aborto e amplie esse atendimento em todo o território nacional, garantindo que nenhuma criança, adolescente, mulher ou pessoa gestante seja forçada a manter uma gestação resultante de estupro, nem corra risco de prisão ou morte por falta de acesso ao direito ao aborto legal, nas três formas atualmente previstas em lei.

Seguiremos firmes na luta por uma sociedade justa, igualitária e livre de todas as formas de opressão.

Diretoria Executiva e Conselho Diretor

Abong – Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais

Brasil, 14 de junho de 2024