A pandemia da COVID-19 impôs, nos últimos meses, o debate sobre defesa da vida, seja nos principais noticiários e veículos de imprensa, no dia-a-dia das conversas habituais, nas mudanças de cenário das ruas e espaços que frequentamos em nosso cotidiano, todos estamos pensando ou falando sobre proteção. Crises políticas e econômicas por mais profundas, não ofuscam a contagem dos mortos e as celebrações em torno daqueles que se recuperam despontam em forma de alívio, quase como um sorriso entre os dentes.

As desigualdades tornaram tudo ainda pior, sem saneamento básico, acesso à saúde e condições básicas de subsistência, o extermínio dos mais pobres segue sua marcha de terror. Já são quase 20 mil mortos oficialmente notificados em todo país, a maioria deles localizados nas periferias das grandes cidades. De acordo com dados do boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde, nesta terça-feira (19/05), 54,8% dos óbitos registrados são de pessoas pretas e pardas. Embora as pessoas brancas ainda sejam a maioria entre os pacientes hospitalizados com Síndrome Respiratória Aguda Grave (51,4%), elas viram minoria entre os mortos (43,1%). A inversão da proporção de internações e mortes entre negros e pardos evidenciam o racismo institucionalizado: somos 45,7% nos hospitais, mas 54,8% das vítimas fatais.

Esta poderia ser mais uma nota que elenca as desigualdades no país que tem sua centralidade na exclusão da população negra, mas a contagem dos nossos mortos têm sido naturalizada desde muito e agora temos o coronavírus como mais um inimigo. Desde a última sexta-feira, 15, inúmeras operações policiais aconteceram em diferentes comunidades do Rio de Janeiro. A semana terminou com uma chacina no Complexo do Alemão, na qual o Estado Brasileiro legitimou e assassinou 13 pessoas por meio da Polícia Militar da capital fluminense. O início de uma nova semana, que ainda nem acabou, contou com mais incursões que resultaram na morte de João Pedro, 14 anos, assassinado – e, posteriormente sequestrado – na sala de sua casa. Iago César Gonzaga, 21 anos, morto por policiais em uma ação no bairro do Acari, Zona Norte do Rio, além da perda de João Vitor, 18 anos, baleado ontem durante um entrega de cestas básicas na Cidade de Deus. O padrão se repete e a intenção é a mesma: o extermínio da população negra por todos os meios possíveis.

É inadmissível que as operações policiais sigam em curso durante a pandemia, quando isolamento social é exigido pelos órgãos governamentais e recomendado por autoridades sanitárias. Tal situação amplia a fragilidade das populações de comunidades, cujos próprios recursos de proteção e defesa estão limitados num cenário de surto de COVID-19. Além disso, embora sejam registradas apreensão de drogas e armas, vale registrar que em qualquer momento todas estas ações são residuais, ineficazes e não asseguram o direito humano à segurança pública nem dos moradores das comunidades, muito menos do entorno. É preciso que a Secretaria da Segurança Pública do RJ, a Corregedoria Geral da PM e o Executivo Nacional sejam responsabilizados e se manifestem sobre as intervenções policiais, que apenas deflagram mais mortes, sobretudo de jovens negros – assassinados a cada 23 minutos ( Mapa da Violência, 2017).

Nós da Abong – Organizações em Defesa dos Direitos e Bens Comuns manifestamos solidariedade às famílias das vítimas e seguimos na construção cotidiana da luta antirracista e enfrentamento do genocídio da juventude negra em aliança com organizações e entidades do movimento negro nacional e internacional.

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