Ao Excelentíssimo Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo Deputado Carlão Pignatari,
Às Excelentíssimas Senhoras Deputadas Estaduais,
Aos Excelentíssimos Senhores Deputados Estaduais,
A toda a sociedade civil.

A Associação Brasileira das Organizações Não Governamentais – Abong, entidade da sociedade civil brasileira fundada em 1991 e que congrega mais de 250 organizações de defesa dos direitos e bens comuns, vem apresentar MOÇÃO DE REPÚDIO ao Projeto de Lei Estadual 504/20 de autoria da Sra. Deputada Marta Costa.
A Abong é uma entidade que tem como um de seus objetivos o combate a todas as formas de discriminação, racial, étnica e de gênero, por entender que são obstáculos à construção da cidadania e dos direitos fundamentais. Nos seus 20 anos de atuação, a entidade contribuiu para a consolidação da democracia no Brasil. O posicionamento sobre o Projeto de Lei 504/20 parte da ideia que este representa uma afronta aos direitos fundamentais garantidos na Constituição de 1988, aos direitos humanos e à cidadania, uma vez que reforça a discriminação à população LGBTQIA+.
A partir dos argumentos levantados abaixo, pretende-se apresentar os elementos jurídicos que demonstram a inconstitucionalidade do Projeto de Lei 504/20.
Em primeiro plano, há um grave erro formal no que tange a competência para disciplinar sobre a matéria. O projeto de lei em questão versa sobre a propaganda comercial, pretendendo proibir propagandas comerciais que façam alusão a “preferências sociais” (expressão copiada do Projeto de Lei) e movimentos sobre diversidade sexual relacionados a crianças no Estado de São Paulo. No entanto, a Constituição Federal estabelece expressamente no seu artigo 22, inciso XXIX, que compete privativamente à União legislar sobre a propaganda comercial. Ou seja, esta matéria é atribuída ao Congresso Nacional e não às Assembleias Legislativas Estaduais. Desta forma, o Projeto de Lei 504/20 apresenta um vício de competência, por isso é inegável a sua inconstitucionalidade formal. A proposta em questão busca realizar uma forma de censura a determinados tipos de propaganda, o que é proibido pelo texto constitucional. Vale ressaltar que há precedentes jurídicos no mesmo sentido, tais quais os posicionamentos do Supremo Tribunal Federal nas ADI 2815, ADI 4761 e ADI 5432.
Um segundo aspecto de suma importância é a inconstitucionalidade material do Projeto de Lei 504/20 por violar direitos fundamentais e humanos à liberdade de expressão, à igualdade, à não discriminação, à proibição de censura e à dignidade da pessoa humana.
O projeto de lei da deputada Marta Costa apresenta proibições vagas sobre a propaganda comercial e sequer delimita os tipos de práticas que visa proibir, o que permite uma amplitude do que é considerado ilícito, gerando a discriminação e a censura de pessoas LGBTQIA+, inconciliáveis com o Estado Democrático de Direito.
O texto proposto reforça ainda a estigmatização, o preconceito e a lgbtfobia ao identificar que pessoas LGBTQIA+ seriam “prejudiciais” a crianças e adolescentes. Esta concepção é incompatível com a igualdade, princípio basilar da sociedade democrática. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos reconhece o respeito aos direitos da diversidade sexual e de gênero da população LGBTQIA+ enquanto direitos humanos. O mesmo tribunal já reuniu ampla jurisprudência afirmando que não há nenhuma prova que crianças e adolescentes poderiam ser prejudicados com o convívio e ensino sobre respeito às pessoas LGBTQIA+. Pelo contrário, os estudos científicos apontam a importância da educação sexual e o combate ao preconceito como meio de proteger as próprias crianças e adolescentes contra quaisquer formas de discriminação.
Destacamos, ainda, que a emenda parlamentar apresentada pela Deputada Janaína Paschoal ao Projeto de Lei 504/20 também é inconstitucional em relação a forma e matéria. A emenda pretende proibir expressamente bloqueios hormonais na puberdade e hormonização de adolescentes. Em relação ao vício formal, a emenda não tem nenhuma relação com o objeto de projeto de lei, mas trata de assunto completamente distinto. Sobre a questão material, a emenda também viola os mesmos direitos fundamentais do projeto de lei, somado ao fato de impor uma restrição intensa de direitos à saúde e à personalidade de pessoas transexuais.
Por fim, considera-se que o Projeto de Lei 504/20 fere o interesse público ao não reconhecer o direito da população LGBTQIA+ e reforçar a discriminação de um grupo social que já sofre diversas violações. Nunca é demais lembrar que o Brasil está na lista dos países que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo. O projeto de lei em questão vai na contramão do avanço jurídico brasileiro de proteção a essas pessoas. Esta evolução ocorre tanto a nível federal com as decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a união estável homoafetiva e lgbtfobia, quanto a nível estadual, sendo que o Estado de São Paulo foi pioneiro na legislação que pune administrativamente a discriminação por orientação sexual ou igualdade de gênero (Lei Estadual 10.948/2001).
É urgente que o poder legislativo avance cada vez mais na proteção as pessoas LGBQIA+, sendo um retrocesso a aprovação do Projeto de Lei 504/20 pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
Por todo o exposto, requeremos o encaminhamento desta moção a todas as Deputadas e Deputados da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e que a mesma seja anexada ao PL 504/2020 para que seja realizada sua leitura na Sessão de Discussão do PL 504/2020.

São Paulo 29 de abril de 2021

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS – ABONG