Por Nicoly Ambrosio | Via Amazônia Real

Manaus (AM) – Guiadas pela consciência da importância dos seis biomas brasileiros para o equilíbrio e a existência da biodiversidade, mais de 5 mil mulheres indígenas de todos os Estados devem ocupar as ruas de Brasília (DF), entre 11 e 13 de setembro, para a 3ª Marcha das Mulheres Indígenas. O tema escolhido para este ano, “Mulheres Biomas em Defesa da Biodiversidade pelas Raízes Ancestrais”, é a reafirmação da luta feminina pela preservação dos territórios indígenas, a fim de proteger também a existência dos povos.

“Nossa luta não protege somente o clima, a floresta e as riquezas naturais, ela protege o nosso modo vida. Quando lutamos pela mata atlântica, caatinga, pampa, cerrado, pantanal e Amazônia, lutamos pela vida dos povos indígenas que vivem e dependem desses biomas, para manterem suas culturas e tradições. Esses biomas são nossas farmácias naturais, é de onde tiramos nossas ervas medicinais, o nosso alimento tradicional e as matérias para produção de nossos artesanatos”, diz Lucimara Patté, cofundadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) e uma das organizadoras do evento.

O encontro é organizado pela Anmiga e pelas Mulheres Biomas de todo o País. As lideranças femininas pretendem debater temas como emergências climáticas, violência de gênero, violência política, saúde mental, acessibilidade indígena à educação e a importância das mulheres indígenas na COP28, que será realizada entre 30 de novembro e 12 de dezembro deste ano em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

Como parte da jornada de luta por direitos, em 2022, na Caravana das Originárias da Terras, as mulheres indígenas promoveram encontros em 27 territórios brasileiros promovendo ações de fortalecimento, protagonismo, acolhimento e reflexão sobre a importância dos biomas e territórios brasileiros.

Em janeiro de 2023, elas realizaram a Pré-Marcha das Mulheres Indígenas, sob o tema “Vozes da ancestralidade dos 6 biomas do Brasil”. Mais de 200 mulheres estimularam debates coletivos sobre a perspectiva da política indígena na construção e manutenção de  direitos em nível nacional. Foi também o primeiro momento para discutir as demandas, propostas e programações da 3ª Marcha das Mulheres Indígenas.

                                            Lideranças mulheres dos seis biomas do Brasil durante a Pré-Marcha, em janeiro de 2023 (Foto: Puré Juma/Jovem Cidadão/Amazônia Real).

Desde o início da jornada, o que se viu é que as mulheres indígenas ocuparam a política brasileira por meio  da chamada “Bancada do Cocar”. Foram 17 candidaturas de indígenas nas eleições de 2022 a deputadas federais e estaduais. “Testemunhamos a vitória histórica das nossas mulheres terra Sônia Guajajara e Célia Xakriabá, que hoje estão nos representando no Ministério dos Povos Indígenas e na Câmara dos Deputados”, destaca a coordenação da Anmiga.

Segundo Lucimara Patté, a 3ª Marcha das Mulheres Indígenas tem o objetivo de “conectar e reconectar a potencialidade das vozes das ancestralidades que são as sementes da terra”. A partir da marcha, as mulheres indígenas propõem o fortalecimento da atuação política e dando início a novos diálogos de incidência na política indígena do Brasil.

“A 3ª Marcha das Mulheres Indígenas vem para consolidar a força, a união e a luta das mulheres indígenas, que estiveram e estão nesse processo de ocupação de espaços políticos e estratégicos. A nossa marcha é um ato político de resistência, somos muitas e juntas estaremos ecoando nossas vozes carregadas de reivindicações”, afirma Lucimara.

As mulheres indígenas também querem ocupar mais espaços de poder, como o Congresso. “Precisamos estar em todos os espaços, pois não aceitamos mais um Brasil sem nós. Não queremos mais homens brancos decidindo sobre nossas vidas e direitos, queremos nossa presença e nossa voz ecoando nesses espaços”, manifesta a liderança.

Essa é a primeira Marcha das Mulheres Indígenas que acontece no terceiro governo Lula (PT). Nas duas edições passadas, que aconteceram durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, as mulheres indígenas sofreram ameaças, ataques e perseguições de bolsonaristas. Na edição de 2021, o acampamento das mulheres chegou a ser invadido. Lucimara acredita que, apesar da mudança de governo, o bolsonarismo ainda existe na sociedade e as indígenas não descartam ataques.

“A 3ª Marcha será no governo Lula, o qual o movimento indígena apoiou, porém não temos a ilusão de que, por estarmos em um governo de esquerda, não haverá algum tipo de ataque. Tiramos o Bolsonaro do poder, mas ainda não acabamos com o bolsonarismo. Estamos nos preparando para esses tipos de imprevistos, nossa equipe de segurança está pronta para fazer a proteção do acampamento e dos corpos das mulheres indígenas presentes na marcha”, afirma Lucimara.

Demarcação é prioridade

A pauta central do movimento das mulheres indígenas na 3ª Marcha das Mulheres Indígenas é a demarcação dos territórios, alinhada ao movimento nacional. O final do julgamento sobre o marco temporal, tese que tem como objetivo limitar demarcações de Terras Indígenas no Brasil até a data-limite de 1988, irá nortear o evento.

“Nós mulheres indígenas temos reforçado a importância da demarcação, tendo em vista que os territórios em processo de retomada são constantemente atacados, e nós, as mulheres, somos as primeiras a terem nossos direitos violados. Não há possibilidade de haver saúde, educação e segurança sem território demarcado, por essa razão estamos lutando e reivindicando que a tese do marco temporal seja derrubada pelo STF”, denunciou a liderança Lucimara Patté.

                                                    Mobilização dos povos indígenas no dia 30 de agosto em Brasília contra o Marco Temporal (Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil).

O julgamento da tese do marco temporal está suspenso no Supremo Tribunal Federal (STF) neste momento, com previsão de retorno no dia 20 de setembro.

Nesta terça-feira (5), Dia da Amazônia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto de demarcação de duas novas terras indígenas, a do Rio Gregório (em Tarauacá, no Acre), pertencente aos povos Katukina e Yawanawá, e a de Acapuri de Coima (em Fonte Boa, no Amazonas), dos Kokama. Em abril, Lula já havia assinado a homologação de outras seis TIs (última etapa antes do registro formal da terra).

Em cerimônia no Palácio do Planalto, acompanhado das ministras Marina Silva e Sônia Guajajara, Lula assinou decreto que retoma a Câmara Técnica (CT) de Destinação e Regularização Fundiária de Terras Públicas Federais Rurais, agora sob a coordenação do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA). Se funcionar, a CT terá poder deliberativo para reconhecer os direitos dos povos indígenas e quilombolas sobre terras tradicionalmente ocupadas. Ainda como ato simbólico, o presidente assinou os decretos para criação de duas novas Unidades de Conservação em Roraima, a Floresta Nacional do Parima, em Amajari, e a Parque Nacional do Viruá, em Caracaraí.

Em entrevista à agência Gov, a ministra Marina Silva afirmou que o Dia da Amazônia serve para a tomada de consciência da importância de preservar o bioma. “A Amazônia é muito grande, tem lugar para o indígena, o extrativista, o agronegócio, o ecoturismo, a bioeconomia, desde que respeitando a todos”, afirmou.

Movimentos de base 
                                                         Mobilização durante a II Marcha das Mulheres Indígenas no ano de 2021 (Foto: Leonardo Milano/ Jornalistas Livres).

As reivindicações da 3ª Marcha buscam a consolidação e o fortalecimento da presença de mulheres indígenas em diferentes espaços de representatividade. Isso inclui políticas públicas elaboradas com e para os indígenas, a diminuição ou anulação das violências físicas e estruturais dentro e fora dos territórios e o apoio à Bancada do Cocar. Outro ponto é garantir a independência das indígenas e a inserção de mulheres, jovens e mães nos espaços acadêmicos com apoio pedagógico, psicológico e financeiro.

Diretora-presidente da Associação de Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (AMARN), da Rede Makira-Êta (Rede de Mulheres Indígenas do Amazonas), a liderança Clarice Tukano foi indicada para representar os 9 Estados da Amazônia Legal como Mulher Focal na 3ª Marcha das Mulheres Indígenas, atuando junto a coordenação nacional  da Anmiga. Para ela, a participação das mulheres indígenas da Amazônia no evento é de “suma importância, porque conjuntamente temos força para propor  as nossas demandas enquanto pertencentes ao Bioma Amazônia, contra o desmatamento, contra empresas de mineração, construção de grandes hidrelétricas, etc. Nosso intuito é defender a biodiversidade, que é nossa temática central da marcha”, disse.

As mulheres da Amazônia pretendem lançar durante a 3ª Marcha, livros e sites sobre os indígenas do bioma, com apoio da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn). Elas também terão grupos de trabalho temático por biomas, tratando a emergência climática, biodiversidade e reflorestamento. “Estaremos marcando presença nas ruas de Brasília com nossas palavras de ordem: Demarcação Já e  Não ao Marco Temporal”, destacou Clarice Tukano.

Segundo Clarice, mais de 100 mulheres estão se organizando para sair do Amazonas em direção à Marcha, em Brasília. “Estamos organizando de diversas formas de participar. Como na maior parte da Amazônia a logística é via aérea, muitas vezes dificulta para uma participação mais expressiva. Com toda dificuldade, cada um dos 9 Estados da Amazônia Legal estão conseguindo se mobilizar com seus parceiros locais”, afirmou a liderança.

Sem apoio financeiro, a Anmiga organizou uma vaquinha online para custear alimentação e transporte para a 3ª Marcha das Mulheres Indígenas. “As mulheres foram instruídas a se organizarem e procurarem apoios para sua vinda, muitas delas articularam e conseguiram através de vaquinha e apoio das secretarias estaduais. Mas muitas caravanas encontraram dificuldades e não conseguiram apoio, devido a isso a Anmiga buscou recursos com apoiadores para suprir as demandas de logística dessas mulheres, para elas participarem da Marcha. Arrecadar recurso tem sido a nossa maior dificuldade”, disse uma das coordenadoras do evento, Lucimara Patté.

Para Clarice, a falta de financiamento financeiro é uma das maiores dificuldades para irem à 3ª Marcha das Mulheres Indígenas. Além da falta de diálogo com o movimento das mulheres indígenas, que Clarice acredita ser ignorado por instituições do governo, os valores de logística de viagem à região Amazônica são altos e dificultam o apoio.

“O que diz respeito à mobilização política de mulheres indígenas, ninguém quer financiar. Quando falamos da crise climática, porque nós mulheres indígenas de fato estamos fazendo frente para frear a crise de aquecimento de clima, apenas alguns atendem e se dispõem a nos ajudar, mas requer muito diálogo para que disponha as passagens e alimentação, que na nossa região amazônica são valores elevados para logística. Isso dificulta bastante para nossa participação”, alertou. Para apoiar a luta das mulheres originárias, entre neste link.

 

Mobilização durante a II Marcha das Mulheres Indígenas em setembro de 2021 (Foto: Matheus Alves/ Cobertura Colaborativa