Assegurar a existência de um espaço cívico seguro é responsabilidade do Estado de Direito 

A Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais – Abong, associação civil sem fins lucrativos, democrática, pluralista, antirracista, anti-lgbtfóbica, antissexista, que congrega organizações que lutam contra todas as formas de discriminação, de desigualdades, pela construção de modos sustentáveis de vida e pela radicalização da democracia, que defendem os direitos humanos, os bens comuns e uma sociedade civil viva, vem a público trazer seu posicionamento diante do duro cenário que enfrentamos no Brasil, compreendendo que é necessário ter nitidez na leitura da realidade e pragmatismo para interpretar nossa conjuntura em 2022: não vivemos tempos normais!

Desde a redemocratização do país, em 1985, diversos setores da sociedade vêm trabalhando arduamente para estabelecer e consolidar a democracia e isso só foi possível – parcialmente – graças ao compromisso da sociedade civil organizada. Contudo, os avanços sociais e econômicos e o fortalecimento da democracia que alcançamos têm sido atacados e destruídos por meio de uma agenda ultraneoliberal, conservadora e fundamentalista, imposta desde o golpe de 2016 que depôs a presidenta Dilma Rousseff.

Em 2018, Jair Bolsonaro foi eleito com um programa de aprofundamento dessa mesma agenda neoliberal, com diminuição dos investimentos públicos na área social, desindustrialização, desvalorização de nossa moeda, privatizações de setores estratégicos etc., agenda política esta que somos radicalmente contra. Nós defendemos a atuação do Estado como um agente de transformação social por meio de investimentos públicos e aberto à participação das organizações da sociedade civil (OSCs) na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, no combate à fome e às desigualdades, atuação essencial sobretudo diante dos graves  efeitos da pandemia e da crise econômica. Ao contrário disso, temos um Governo Federal que potencializa esses efeitos com uma gestão irresponsável e genocida.

Para além das posições políticas antagônicas citadas acima, existe ainda uma divergência a mais, esta que faz o atual governo ultrapassar a fronteira da civilidade e impossibilita qualquer tipo de diálogo: os ataques sistemáticos à democracia, a suas instituições e processos que a envolvem. Desde o início de seu governo, ações foram tomadas para eliminar a participação popular e o controle social das políticas públicas, com dramática redução dos níveis de transparência e fechamento dos espaços cívicos e participativos (tais como conselhos e conferências). Logo em seguida ao ato de sua posse, Bolsonaro discursou atacando as OSCs e, durante seus quatro anos de governo, continuou não só com ataques sistemáticos como também utilizando-se de estratégias burocráticas para criminalizar as organizações, como pode ser visto no documento elaborado pela Abong intitulado “Relatório de criminalização das OSCs no governo Bolsonaro”. São também quatro anos de violências contra as mulheres, as/os negras/os, a população LGBTQIA+, os povos indígenas, quilombolas, originários e ribeirinhos etc.

A partir do momento que vivemos, é necessário que nos posicionemos radicalmente em favor da candidatura que pode derrotar Bolsonaro nas urnas, bem como todos os retrocessos e ideais antidemocráticos que ele representa. Assim, acreditamos que a única plataforma capaz de impor essa derrota é o movimento de frente ampla que vem sendo construído coletivamente em torno da candidatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Não obstante, tornamos públicas também nossas considerações e agendas políticas ao candidato, solicitando o compromisso do seu plano de governo em:  

  • Defender a democracia e as instituições dela derivadas, opondo-se a posturas autocráticas, arbitrárias, conservadoras e fundamentalistas no nível nacional e estadual; garantir a transparência, a participação e a distribuição democrática do orçamento público da União e do Estado; criar e fortalecer conselhos de direitos e demais espaços de participação popular; criar um conselho junto à sociedade civil para contribuir para a restauração da paz e da democracia, visando também a diminuição das violências políticas;
  • Estabelecer e/ou fortalecer a existência das OSCs como parte da democracia, fomentando uma ambiência social e institucional permeável à crítica e à participação da sociedade nas definições sobre suas vidas, bem como interlocução sistemática com as OSCs, com vista à colaboração mútua entre o governo e as OSCs; atuar no enfrentamento à criminalização e subfinanciamento vivido pelas OSCs que defendem direitos e bens comuns ao longo dos anos, construindo e fortalecendo ações com foco na sustentabilidade política e financeira das OSCs; criar um fundo público para as OSCs que atuam na defesa de direitos e democracia; elaborar e incentivar editais públicos destinados às OSCs, contribuindo para que se assegure a impessoalidade, transparência e credibilidade do processo, como estratégia de democratização dos fundos públicos; avançar na implementação e efetividade do Marco Regulatório da Sociedade Civil (MROSC) em todos os níveis federativos;
  • Priorizar programas e ações de combate à fome e à miséria; fortalecer as políticas e conselhos voltados a essa temática, como o Conselho de Segurança Alimentar (Consea), Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); fortalecer e incentivar a agricultura familiar e a agroecologia, favorecendo alimentos sem veneno; assumir o compromisso de realização da reforma agrária;
  • Atuar na defesa intransigente dos direitos humanos, no enfrentamento ao racismo, ao sexismo e ao capacitismo, se  posicionando pela consolidação dos direitos de populações em maior vulnerabilidade e risco social, como as pessoas LGBTQIA+, pessoas negras, indígenas, população em situação de rua, mulheres, pessoas em situação de cárcere, população rural, juventudes e PCDs; construir projetos de lei e fiscalizar o poder público na implementação de políticas de ampliação desses direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais (DHESCA) e combate às violações; 
  • Assumir o compromisso com a luta em defesa da vida de defensoras/es dos direitos humanos, buscando mecanismos legais para proteção e preservação de suas vidas no exercício do seu trabalho e militância em seus territórios;
  • Fortalecer um Estado efetivamente laico, com ações concretas de combate ao racismo religioso e criação de mecanismos institucionais de prevenção e controle para evitar o desvirtuamento das funções públicas por razões de convicção religiosa das autoridades públicas;
  • Assumir o compromisso com a revogação da Emenda Constitucional 95, que congela os gastos públicos e compromete a garantia dos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais;
  • Assumir o compromisso com a revogação da Reforma Trabalhista, que aumentou a precarização do trabalho jogando grande parte da classe trabalhadora para a informalidade, além de aumentar a carga e a jornada de trabalho, desmantelando os avanços sociais históricos firmados na CLT;
  • Assumir o compromisso com a preservação da Amazônia e dos demais biomas brasileiros, bem como trabalhar de forma favorável aos povos indígenas, quilombolas, originários, populações ribeirinhas etc., contra o Marco Temporal e pela demarcação e proteção de terras indígenas e quilombolas;
  • Atuar na defesa, manutenção e ampliação das políticas de cotas raciais e sociais nas universidades e no mercado de trabalho, sobretudo no que diz respeito a editais e a concursos públicos;
  • Criar políticas públicas antiproibicionistas e de descriminalização do uso de drogas, atreladas à elaboração participativa de políticas que compreendam a segurança pública como parte dos direitos humanos; acabar com a política de guerra às drogas, responsável pelo encarceramento em massa da população negra, pobre e periférica; criar um pacto junto aos estados pelo compromisso de erradicação da violência policial, sobretudo nos territórios mais vulnerabilizados;
  • Estabelecer um quadro de paridade racial e de gênero no corpo técnico dos ministérios e inclusão de outros públicos sub-representados como LGBTQIA+, pessoas com deficiência etc.

No mais, a Abong afirma que seguirá cumprindo seu papel na defesa da democracia e no monitoramento das ações do Estado, para que esse atue efetivamente na ampliação de políticas sociais e ambientais e pela promoção de uma sociedade mais justa e igualitária, com vida digna para todas as pessoas. 

Conselho Diretor da Abong 

Brasil, 15 de setembro de 2022