Por: Folha

Flávia Pellegrino

Jornalista, mestre em ciência política e coordenadora-executiva do Pacto pela Democracia

Alianças devem se manter ativas, pois a batalha da reconstrução será longa

“As instituições estão funcionando?” Este é um questionamento que emerge legítima e reiteradamente diante do ambiente antidemocrático que ganhou corpo no Brasil ao longo dos últimos anos. O evento golpista de 8 de janeiro, que completa um mês nesta quarta-feira (8), permitiu-nos afirmar em pleno paradoxo: sim e não. Afinal, se as instituições democráticas operassem em sua plenitude, os ataques explícitos e sistemáticos à ordem democrática teriam sido interrompidos em suas origens. A resposta ao mais grave atentado contra nosso regime democrático, porém, gerou respostas imediatas e enérgicas das autoridades competentes, reavendo a postura rígida e necessária em defesa do Estado democrático de Direito em um dos momentos mais críticos da vida política brasileira.

O sistema democrático resistiu, mas sua fragilidade nunca foi tão flagrante. Do ponto de vista institucional, a debilidade é tamanha que nem as sedes dos Três Poderes da República tiveram sua integridade garantida. Sob a perspectiva das relações sociais, as fissuras aprofundaram-se de tal maneira que hoje temos um abismo intransponível caso valores e práticas elementares da cultura democrática não voltem a alicerçar nossa construção política e social.

Passado um mês da intentona bolsonarista, é possível avaliar que as prontas reações institucionais foram capazes de conter uma ruptura democrática e lidar com seus aspectos emergenciais. E daqui em diante? Os desafios da reconstrução democrática no país são múltiplos, multidimensionais e exigirão esforços no longo prazo.

Mas, em um cenário em que as instituições vacilam e são objeto de profundo descrédito por parte da população, a força propulsora desse processo reside em outro ator relevante nesta equação: a sociedade civil. Além de sua centralidade histórica na nossa construção democrática, hoje a diversidade de atores e setores que a compõem dispõe de uma capacidade ampliada de cooperação e coordenação de ações, fruto da trincheira que criamos em defesa da democracia nos últimos anos.

Neste novo ciclo democrático, será importante que as alianças se mantenham firmes e ativas, pois a batalha pela reconstrução e consolidação dos pilares democráticos será longa. Caberá à sociedade civil a consciência de que um governo comprometido com a democracia não garante estabilidade e enraizamento democráticos, muito menos é suficiente para lidar com a ascensão de uma extrema direita abertamente golpista e os desafios dos processos de desinformação que minam o ambiente democrático do país.

Para além da retomada da atuação positiva nas agendas de políticas públicas, expansão de direitos e inclusão social, os esforços da sociedade civil também seguirão voltados à estrutura do sistema democrático, mirando os aspectos institucionais e sociais que necessitem transformação, fortalecimento e proteção para, assim, recobrar o caminho em direção à democracia que desejamos e merecemos ter.

A saída será não baixar a guarda, mas também ser capaz de olhar adiante e construir o futuro. Conjugar ações de defesa às investidas antidemocráticas que seguirão emergindo do bolsonarismo e estratégias de médio e longo prazos que robusteçam as instituições, aprimorem nosso sistema político, criem mecanismos efetivos de salvaguarda do regime democrático, resgatem princípios republicanos e promovam o enraizamento dos valores e práticas da cultura democrática, como a disposição ao diálogo, a valorização do pluralismo e o exercício da tolerância.

Para a sociedade civil, será chave não subestimar os aprendizados do passado. Se uma certeza deriva da recente experiência brasileira é a de que a democracia é constante construção e de que não há qualquer garantia de sua existência e qualidade se ela não for ativa e permanentemente cultivada, fortalecida, idealizada, aprimorada e defendida. E, das experiências antidemocráticas do passado, emerge a convicção de que só há construção democrática sólida no futuro se formos capazes de olhar para trás e encarar com seriedade o processo de verdade, memória e justiça.

Fotografia Por: Gabriela Biló/ Folhapress