3ª Marcha das Mulheres Indígenas defenderá a vida

Por Nicoly Ambrosio | Via Amazônia Real

Manaus (AM) – Guiadas pela consciência da importância dos seis biomas brasileiros para o equilíbrio e a existência da biodiversidade, mais de 5 mil mulheres indígenas de todos os Estados devem ocupar as ruas de Brasília (DF), entre 11 e 13 de setembro, para a 3ª Marcha das Mulheres Indígenas. O tema escolhido para este ano, “Mulheres Biomas em Defesa da Biodiversidade pelas Raízes Ancestrais”, é a reafirmação da luta feminina pela preservação dos territórios indígenas, a fim de proteger também a existência dos povos.

“Nossa luta não protege somente o clima, a floresta e as riquezas naturais, ela protege o nosso modo vida. Quando lutamos pela mata atlântica, caatinga, pampa, cerrado, pantanal e Amazônia, lutamos pela vida dos povos indígenas que vivem e dependem desses biomas, para manterem suas culturas e tradições. Esses biomas são nossas farmácias naturais, é de onde tiramos nossas ervas medicinais, o nosso alimento tradicional e as matérias para produção de nossos artesanatos”, diz Lucimara Patté, cofundadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) e uma das organizadoras do evento.

O encontro é organizado pela Anmiga e pelas Mulheres Biomas de todo o País. As lideranças femininas pretendem debater temas como emergências climáticas, violência de gênero, violência política, saúde mental, acessibilidade indígena à educação e a importância das mulheres indígenas na COP28, que será realizada entre 30 de novembro e 12 de dezembro deste ano em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

Como parte da jornada de luta por direitos, em 2022, na Caravana das Originárias da Terras, as mulheres indígenas promoveram encontros em 27 territórios brasileiros promovendo ações de fortalecimento, protagonismo, acolhimento e reflexão sobre a importância dos biomas e territórios brasileiros.

Em janeiro de 2023, elas realizaram a Pré-Marcha das Mulheres Indígenas, sob o tema “Vozes da ancestralidade dos 6 biomas do Brasil”. Mais de 200 mulheres estimularam debates coletivos sobre a perspectiva da política indígena na construção e manutenção de  direitos em nível nacional. Foi também o primeiro momento para discutir as demandas, propostas e programações da 3ª Marcha das Mulheres Indígenas.

                                            Lideranças mulheres dos seis biomas do Brasil durante a Pré-Marcha, em janeiro de 2023 (Foto: Puré Juma/Jovem Cidadão/Amazônia Real).

Desde o início da jornada, o que se viu é que as mulheres indígenas ocuparam a política brasileira por meio  da chamada “Bancada do Cocar”. Foram 17 candidaturas de indígenas nas eleições de 2022 a deputadas federais e estaduais. “Testemunhamos a vitória histórica das nossas mulheres terra Sônia Guajajara e Célia Xakriabá, que hoje estão nos representando no Ministério dos Povos Indígenas e na Câmara dos Deputados”, destaca a coordenação da Anmiga.

Segundo Lucimara Patté, a 3ª Marcha das Mulheres Indígenas tem o objetivo de “conectar e reconectar a potencialidade das vozes das ancestralidades que são as sementes da terra”. A partir da marcha, as mulheres indígenas propõem o fortalecimento da atuação política e dando início a novos diálogos de incidência na política indígena do Brasil.

“A 3ª Marcha das Mulheres Indígenas vem para consolidar a força, a união e a luta das mulheres indígenas, que estiveram e estão nesse processo de ocupação de espaços políticos e estratégicos. A nossa marcha é um ato político de resistência, somos muitas e juntas estaremos ecoando nossas vozes carregadas de reivindicações”, afirma Lucimara.

As mulheres indígenas também querem ocupar mais espaços de poder, como o Congresso. “Precisamos estar em todos os espaços, pois não aceitamos mais um Brasil sem nós. Não queremos mais homens brancos decidindo sobre nossas vidas e direitos, queremos nossa presença e nossa voz ecoando nesses espaços”, manifesta a liderança.

Essa é a primeira Marcha das Mulheres Indígenas que acontece no terceiro governo Lula (PT). Nas duas edições passadas, que aconteceram durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, as mulheres indígenas sofreram ameaças, ataques e perseguições de bolsonaristas. Na edição de 2021, o acampamento das mulheres chegou a ser invadido. Lucimara acredita que, apesar da mudança de governo, o bolsonarismo ainda existe na sociedade e as indígenas não descartam ataques.

“A 3ª Marcha será no governo Lula, o qual o movimento indígena apoiou, porém não temos a ilusão de que, por estarmos em um governo de esquerda, não haverá algum tipo de ataque. Tiramos o Bolsonaro do poder, mas ainda não acabamos com o bolsonarismo. Estamos nos preparando para esses tipos de imprevistos, nossa equipe de segurança está pronta para fazer a proteção do acampamento e dos corpos das mulheres indígenas presentes na marcha”, afirma Lucimara.

Demarcação é prioridade

A pauta central do movimento das mulheres indígenas na 3ª Marcha das Mulheres Indígenas é a demarcação dos territórios, alinhada ao movimento nacional. O final do julgamento sobre o marco temporal, tese que tem como objetivo limitar demarcações de Terras Indígenas no Brasil até a data-limite de 1988, irá nortear o evento.

“Nós mulheres indígenas temos reforçado a importância da demarcação, tendo em vista que os territórios em processo de retomada são constantemente atacados, e nós, as mulheres, somos as primeiras a terem nossos direitos violados. Não há possibilidade de haver saúde, educação e segurança sem território demarcado, por essa razão estamos lutando e reivindicando que a tese do marco temporal seja derrubada pelo STF”, denunciou a liderança Lucimara Patté.

                                                    Mobilização dos povos indígenas no dia 30 de agosto em Brasília contra o Marco Temporal (Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil).

O julgamento da tese do marco temporal está suspenso no Supremo Tribunal Federal (STF) neste momento, com previsão de retorno no dia 20 de setembro.

Nesta terça-feira (5), Dia da Amazônia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto de demarcação de duas novas terras indígenas, a do Rio Gregório (em Tarauacá, no Acre), pertencente aos povos Katukina e Yawanawá, e a de Acapuri de Coima (em Fonte Boa, no Amazonas), dos Kokama. Em abril, Lula já havia assinado a homologação de outras seis TIs (última etapa antes do registro formal da terra).

Em cerimônia no Palácio do Planalto, acompanhado das ministras Marina Silva e Sônia Guajajara, Lula assinou decreto que retoma a Câmara Técnica (CT) de Destinação e Regularização Fundiária de Terras Públicas Federais Rurais, agora sob a coordenação do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA). Se funcionar, a CT terá poder deliberativo para reconhecer os direitos dos povos indígenas e quilombolas sobre terras tradicionalmente ocupadas. Ainda como ato simbólico, o presidente assinou os decretos para criação de duas novas Unidades de Conservação em Roraima, a Floresta Nacional do Parima, em Amajari, e a Parque Nacional do Viruá, em Caracaraí.

Em entrevista à agência Gov, a ministra Marina Silva afirmou que o Dia da Amazônia serve para a tomada de consciência da importância de preservar o bioma. “A Amazônia é muito grande, tem lugar para o indígena, o extrativista, o agronegócio, o ecoturismo, a bioeconomia, desde que respeitando a todos”, afirmou.

Movimentos de base 
                                                         Mobilização durante a II Marcha das Mulheres Indígenas no ano de 2021 (Foto: Leonardo Milano/ Jornalistas Livres).

As reivindicações da 3ª Marcha buscam a consolidação e o fortalecimento da presença de mulheres indígenas em diferentes espaços de representatividade. Isso inclui políticas públicas elaboradas com e para os indígenas, a diminuição ou anulação das violências físicas e estruturais dentro e fora dos territórios e o apoio à Bancada do Cocar. Outro ponto é garantir a independência das indígenas e a inserção de mulheres, jovens e mães nos espaços acadêmicos com apoio pedagógico, psicológico e financeiro.

Diretora-presidente da Associação de Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (AMARN), da Rede Makira-Êta (Rede de Mulheres Indígenas do Amazonas), a liderança Clarice Tukano foi indicada para representar os 9 Estados da Amazônia Legal como Mulher Focal na 3ª Marcha das Mulheres Indígenas, atuando junto a coordenação nacional  da Anmiga. Para ela, a participação das mulheres indígenas da Amazônia no evento é de “suma importância, porque conjuntamente temos força para propor  as nossas demandas enquanto pertencentes ao Bioma Amazônia, contra o desmatamento, contra empresas de mineração, construção de grandes hidrelétricas, etc. Nosso intuito é defender a biodiversidade, que é nossa temática central da marcha”, disse.

As mulheres da Amazônia pretendem lançar durante a 3ª Marcha, livros e sites sobre os indígenas do bioma, com apoio da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn). Elas também terão grupos de trabalho temático por biomas, tratando a emergência climática, biodiversidade e reflorestamento. “Estaremos marcando presença nas ruas de Brasília com nossas palavras de ordem: Demarcação Já e  Não ao Marco Temporal”, destacou Clarice Tukano.

Segundo Clarice, mais de 100 mulheres estão se organizando para sair do Amazonas em direção à Marcha, em Brasília. “Estamos organizando de diversas formas de participar. Como na maior parte da Amazônia a logística é via aérea, muitas vezes dificulta para uma participação mais expressiva. Com toda dificuldade, cada um dos 9 Estados da Amazônia Legal estão conseguindo se mobilizar com seus parceiros locais”, afirmou a liderança.

Sem apoio financeiro, a Anmiga organizou uma vaquinha online para custear alimentação e transporte para a 3ª Marcha das Mulheres Indígenas. “As mulheres foram instruídas a se organizarem e procurarem apoios para sua vinda, muitas delas articularam e conseguiram através de vaquinha e apoio das secretarias estaduais. Mas muitas caravanas encontraram dificuldades e não conseguiram apoio, devido a isso a Anmiga buscou recursos com apoiadores para suprir as demandas de logística dessas mulheres, para elas participarem da Marcha. Arrecadar recurso tem sido a nossa maior dificuldade”, disse uma das coordenadoras do evento, Lucimara Patté.

Para Clarice, a falta de financiamento financeiro é uma das maiores dificuldades para irem à 3ª Marcha das Mulheres Indígenas. Além da falta de diálogo com o movimento das mulheres indígenas, que Clarice acredita ser ignorado por instituições do governo, os valores de logística de viagem à região Amazônica são altos e dificultam o apoio.

“O que diz respeito à mobilização política de mulheres indígenas, ninguém quer financiar. Quando falamos da crise climática, porque nós mulheres indígenas de fato estamos fazendo frente para frear a crise de aquecimento de clima, apenas alguns atendem e se dispõem a nos ajudar, mas requer muito diálogo para que disponha as passagens e alimentação, que na nossa região amazônica são valores elevados para logística. Isso dificulta bastante para nossa participação”, alertou. Para apoiar a luta das mulheres originárias, entre neste link.

 

Mobilização durante a II Marcha das Mulheres Indígenas em setembro de 2021 (Foto: Matheus Alves/ Cobertura Colaborativa

Saiba mais

CONAQ abre edital para fortalecer a agricultura familiar quilombola e pressionar autoridades para a criação de políticas públicas

Desenvolvido com apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos, edital beneficiará até 28 comunidades e associações quilombolas

De 23 de agosto a 29 de setembro, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) convida as comunidades quilombolas de todo o Brasil a apresentarem propostas para o edital “Fortalecendo os saberes e fazeres da agricultura quilombola”.

A ação, que conta com o apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos, tem capacidade para apoiar 28 comunidades com valores de até R$ 30.000,00 por projeto, com a finalidade de fomentar a agricultura familiar quilombola e possibilitar a estruturação de sistemas produtivos que respeitem a sociobiodiversidade, preservando biomas e promovendo a autonomia econômica dos territórios quilombolas.

“Nosso objetivo é que cada uma das várias associações dos 24 estados onde a CONAQ atua inscreva seus projetos de fortalecimento das mulheres, dos jovens, e dos homens quilombolas que estão produzindo no campo, preservando o meio ambiente de forma biodiversa e circular. Esse é o eixo principal: produzir alimentos de forma saudável e sustentável, sem perder os modos de vida quilombolas, as raízes que queremos que sejam preservadas”, afirma Kátia Penha, diretora de Projetos da CONAQ.

O lançamento do edital ocorre diante de um cenário marcado pela ausência de políticas de democratização e regularização fundiária, além da não efetivação dos direitos de povos tradicionais, como os da população quilombola, o que ocasiona no aumento da desigualdade e da violência no campo. Essa desigualdade está na raiz de conflitos como ameaças de despejo, invasões e ações de pistolagem, do desmatamento para abertura de novos pastos para a pecuária extensiva e para a monocultura. Os impactos são conhecidos: redução da biodiversidade, poluição das águas e insegurança alimentar.

“O lançamento do edital ‘Fortalecendo Saberes e Fazeres da Agricultura Quilombola’ é um momento de grande conquista para a CONAQ. Esse edital, lançado com apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos, é muito importante no momento atual das comunidades quilombolas. Nós conseguimos avançar em um período difícil, nos anos recentes, e esse edital sobre agricultura familiar quilombola é mais um passo no sentido de pressionar por políticas públicas que cheguem ao nosso povo”, conclui Penha.

Para inscrever o projeto, basta a associação ou comunidade acessar a página do edital no portal Prosas e preencher as informações.

‘Fortalecendo Saberes e Fazeres da Agricultura Quilombola’

Período de Inscrição: De 23 de agosto a 29 de setembro até às 18h (horário de Brasília)

Valor do apoio: até 30.000,00 por projeto

Onde Inscrever o projeto?Página do edital, no portal Prosas
Quem pode se inscrever?: Associações ou comunidades quilombolas de todo o país
Em caso de dúvidas sobre o edital, bastar entrar em contato por e-mail.

 

Sobre o Fundo Brasil de Direitos Humanos

O Fundo Brasil de Direitos Humanos apoia a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) para fortalecer a agenda política e a resiliência das organizações e comunidades quilombolas de todo o Brasil.

Trata-se de uma iniciativa de transferência de conhecimento para a CONAQ, focada em impulsionar a capacidade de gestão e de apoio a projetos e a sustentabilidade desta que é a maior organização quilombola do país. Pretende-se que a CONAQ se aproprie dos conhecimentos e desenvolva outros para construir de forma autônoma suas estratégias e metodologias para apoiar a luta dos quilombos por direitos, terra, renda, soberania e segurança alimentar, e o desenvolvimento e sustentabilidade de suas organizações em todo o país.

O Fundo Brasil de Direitos Humanos é uma fundação independente, sem fins lucrativos, criada em 2006 por ativistas com a missão de promover o respeito aos direitos humanos no país, criando mecanismos sustentáveis, inovadores e efetivos para fortalecer organizações da sociedade civil e para desenvolver a filantropia de justiça social. A fundação faz isso captando recursos para destiná-los a organizações e comunidades que lutam por direitos fundamentais e combatem as desigualdades, a violência institucional e a discriminação em todo o país. Desta forma, a fundação atua como uma ponte, conectando investidores sociais a projetos que transformam o mundo.

A instituição apoia a busca por justiça racial e de gênero, a luta por direitos dos povos indígenas, de populações quilombolas e tradicionais, por justiça socioambiental na Amazônia e fora dela, por direitos de crianças e jovens, de pessoas LGBTQIA+, de trabalhadores rurais e precarizados, de comunidades impactadas por obras de infraestrutura e empreendimentos urbanos, de vítimas da violência de Estado e seus familiares, a luta contra o encarceramento em massa e a tortura no sistema prisional, entre outras. Para saber mais, acesse o site do Fundo Brasil.

Saiba mais

33 anos do ECA: Atuação do Cendhec e entraves no avanço das políticas em Pernambuco

Moradia, alimentação, saúde, educação e lazer são direitos humanos, essenciais à vida e ao desenvolvimento pleno em sociedade. O instrumento que os assegura a crianças e adolescentes completa 33 anos nesta quinta-feira (13).

Criado em 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), estabelecido pela lei 8.069, é um marco no campo dos direitos humanos no Brasil. Conquista da sociedade civil, fruto de reivindicações de organizações e movimentos sociais, o ECA compreende as crianças enquanto sujeitos de direitos e garante a proteção integral, estabelecida pelo Sistema de Garantia de Direitos. Considera a diversidade das infâncias, lança luz sobre as lacunas sociais e valida as necessidades.

Engajado na defesa e promoção de direitos humanos, o Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social tem forte contribuição para o debate, a começar pela instituição da lógica de eixos do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente. Através do Programa Direitos da Criança e do Adolescente (DCA), o Cendhec atua nos eixos do controle social, promoção, defesa e formação.

Para fortalecer e engajar demais atores da Rede de Proteção, a organização realiza o curso “Sistema de Garantia de Direitos: Teia de Proteção”, destinado a profissionais que atuam para a garantia de direitos de crianças e adolescentes, de setores do poder público e de outras organizações da sociedade civil. Com um cronograma de aulas até novembro deste ano, o curso visa fortalecer e instrumentalizar a atuação desta Rede, além de debater a sua atuação.

O Cendhec em ação

Atualmente, o Conselho Municipal de Defesa e Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente (COMDICA) tem realizado a revisão de planos voltados para a proteção às infâncias na cidade. São eles: Plano Decenal de Enfrentamento à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes, Plano de Erradicação do Trabalho Infantil, Plano Municipal de Enfrentamento a Situação de Rua de Crianças e Adolescente na Cidade do Recife. Em paralelo a isso, acontece a construção do Plano da Primeira Infância Estadual e a elaboração do Plano de Direitos Humanos.

O Cendhec participa da comissão para revisão do Plano Decenal de Enfrentamento à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes em Pernambuco. A comissão, criada pelo Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA – PE), tem composição com entes governamentais e da sociedade civil e está em fase de discussão do diagnóstico e construção de minuta do plano para envio ao Conselho.

Além disso, enquanto centro de defesa, o Cendhec acompanha o Comitê Municipal e o Comitê Estadual, que trabalham o fluxo de atendimento para crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência.

O fluxo de atendimento estabelece um procedimento de implementação da Lei da Escuta Especializada, que foi incorporada ao ECA, e outras diretrizes que envolvem todo o Sistema de Garantia de Direitos. No município, o cenário é de avanço no que diz respeito à integração dos fluxos com a saúde, educação, assistência, segurança, conselheiros tutelares, que refletem a política de atendimento e de responsabilização de violações.

Entraves encontrados

O Estatuto da Criança e do Adolescente completa 33 anos entre construções e desconstruções. A conquista da lei pela sociedade civil deve ser comemorada, em valorização à força dos atores sociais articulados em defesa da infância e juventude. No entanto, é importante enfatizar que a luta para que o fortalecimento de uma política participativa seja incorporada à realidade, permanece cotidiana.

Manter os direitos conquistados é um esforço diário. Um exemplo são equipamentos implementados para garantir direitos e que, por negligência governamental, acabam estagnados. Segundo Juliana Accioly, advogada do Cendhec e coordenadora do Projeto Teia de Proteção, “o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente – CEDCA/PE passa por um enfraquecimento nos últimos dois anos, comprometendo, consequentemente, as atividades de outras comissões e políticas a nível estadual, como a Escola de Conselhos de Pernambuco e o Núcleo de Atendimento Provisório (NAP). “

“O não funcionamento do CEDCA reflete o lugar que os conselhos se encontram dentro do governo do estado na formulação, deliberação e monitoramento dessas políticas. É um retrato da ausência participativa e ampla com a sociedade civil de como pensar a política pública”, aponta Accioly.

A advogada destaca como um fator de dificultador a ausência de um direcionamento, diretrizes, planejamento e monitoramento que envolva a sociedade civil e os entes governamentais. “Essas ausências refletem também na falta de recursos e incidência no orçamento público para que as políticas públicas sejam executadas. Um grande desafio é também discutir dentro dos espaços, de tentar incidir no PPA a partir de um direcionamento coletivo e participativo”, explica.

Saiba mais

Primeira mulher é eleita para Coordenação Geral do Centro Sabiá

A jornalista Rosa Sampaio conversou com a nova coordenadora Geral do Centro Sabiá, primeira mulher eleita para o cargo nesses 30 anos da organização.

Conheça Maria Cristina Aureliano

Reportagem por Rosa Sampaio, Jornalista do Centro Sabiá
Edição por Maria Menezes, Estagiária de Comunicação do Centro Sabiá

Maria Cristina Aureliano de Melo Ramos, de 56 anos, é agrônoma, nascida e criada na capital pernambucana e se dedica à luta pela agroecologia, pelo meio ambiente e pelo bem viver há anos, seja na sua vida profissional ou fora dela. Em 2023, na última Assembleia Geral Ordinária, foi eleita Coordenadora Geral do Centro Sabiá, e isso tem um grande significado, não só para ela, mas para todas as mulheres que buscam fazer a diferença no mundo. A Coordenação Colegiada do Centro Sabiá conta com, além de Maria Cristina, Aniérica Almeida na Coordenação Técnico-Pedagógica e Carlos Magno, na Coordenação de Mobilização de Recursos.

Conversamos com a coordenadora sobre sua trajetória até aqui, expectativas e desafios nesta nova posição que ocupa. Formada em agronomia pela Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE, integrou uma das primeiras turmas após a ditadura militar, se formando em 1990. Durante sua passagem pela UFRPE, participou de diversos congressos de estudantes, ações de mobilização,  inclusive compondo a Federação Nacional Dos Estudantes de Agronomia. Para ela, o movimento estudantil foi uma escola de formação política e social.

Debates sobre a valorização da agricultura familiar e agricultura alternativa(ainda não se falava em agroecologia) começavam a ganhar espaço. Um exemplo é o Grupo Curupira de Agricultura Alternativa, surgido na UFRPE, que tinha em seu corpo, muitos companheiros e companheiras que viriam a fundar o Centro Sabiá. Alguns anos mais tarde, Maria pôde participar do projeto Tecnologias Alternativas Pernambuco e Paraíba do Centro Josué de Castro, projeto que reuniu o grupo fundador do Sabiá. É a partir desse momento, mesmo que não oficialmente, que a agrônoma enxerga o início da sua relação com esta organização que ainda nasceria. “Desde antes e no início do Sabiá, eu já participava, porque sempre houve essa dinâmica da participação coletiva”, destaca.

Nesse período também trabalhava na Escola de formação Sindical da Central Única dos Trabalhadores – CUT, como educadora na temática de mercados solidários, além disso teve experiência na Prefeitura do Recife e destacou que essas experiências foram muito importantes para fortalecer sua luta contra a desigualdade.

Oficialmente, em 2005, Maria dá início à sua jornada no Centro Sabiá, participando do II Encontro Nacional de Agroecologia – ENA, que aconteceu em Recife, em 2006. Foi um período de muita articulação com outras organizações e construção de projetos. Maria recorda que um levantamento revelou que Pernambuco possuía mais experiências agroecológicas do que qualquer outro estado do país naquele momento. Serão 18 anos de Centro Sabiá em 2023, ano em que completamos 30 anos de ação.

Qual o significado dessa mudança?

Essa é a primeira vez de uma mulher na Coordenação Geral, apesar de diversas mulheres já terem ocupado outros espaços na diretoria, presidência e coordenação colegiada. O Sabiá sempre trouxe em seu discurso,  a importância das mulheres em posições de decisão, inclusive na assessoria com as mulheres agricultoras.

“É importante que o corpo das mulheres ocupem esses lugares nas organizações!” Maria relembra a história da sua filha, Milinha é PCD, está dentro do transtorno do espectro autista, e para ela, é um exemplo de ocupação de lugares e superação de expectativas das outras pessoas. Ela destaca que sua nomeação para coordenação veio de um contexto, e que cargos como esse são lugares de visibilidade,  liderança e representatividade, o que exige força de vontade para continuar o trabalho.

Um destaque trazido por Maria é que não só os cargos de decisão sejam ocupados por mulheres, mas que em todas as equipes essa seja a realidade. Afinal, quando as agricultoras, nosso público assessorado, estão rodeadas de outras mulheres, seja na assessoria, em momentos de articulação, se sentem mais seguras. Esse é um movimento de muita potência. Ela reforça que sempre fez questão de chamar as mulheres para somar em seu trabalho, pois entende que não se constrói sozinha.

Outra questão trazida por Maria é o entendimento dos outros lugares que as mulheres ocupam, como mães, filhas, esposas que possuem diversas responsabilidades familiares e domésticas. A trajetória profissional não anula esse outro trabalho, nem as tarefas domésticas podem anular a vida profissional. Se trata de um processo de compreensão e organização, para que a família também possa ser uma prioridade.

Quais as expectativas diante do novo desafio?

A coordenadora define como uma “tarefa grandiosa” a retomada do  espaço da sociedade civil para o retorno de políticas públicas de agroecologia, agricultura familiar, convivência com o Semiárido e participação das mulheres.

Maria reflete sobre o contexto político que o Brasil e Pernambuco vivenciam: apesar de uma vitória progressista ao eleger Lula presidente, o congresso está dominado pela extrema direita. Além disso, o cenário em Pernambuco é muito mais conservador, com pouco espaço para a Sociedade Civil. Para ela, a parceria é o caminho, seja a parceria com outras organizações, ou por meio do fortalecimento das articulações como a Articulação do Semiárido – ASA/PE , por exemplo.

Para o Centro Sabiá, há diretamente o desafio da sustentabilidade política, da relevância do Centro enquanto um ator ativo nessas ações. Maria destaca que a luta para salvar o mundo é de todos, tanto como equipe, quanto  sociedade e humanidade. E finaliza: “A esperança é o que nos move, a luta continua!”

Saiba mais

Nota de luto e de luta! Mãe Bernadete, presente!

A Abong, Associação Brasileira de ONGs, que congrega centenas de organizações em defesa da democracia e dos direitos humanos de todo o país, está em luto e em luta após a notícia do assassinato de Maria Bernadete Pacífico, Mãe Bernadete, coordenadora nacional da CONAQ, ialorixá do Ilê Axé Odé Omí Ewá e liderança quilombola do Quilombo Pitanga dos Palmares, na noite desta quinta-feira (17), em seu terreiro em Simões Filho, região metropolitana de Salvador (BA). 

Mãe Bernadete era uma defensora dos direitos humanos e dos direitos dos povos quilombolas. Uma liderança incansável da luta pela regularização fundiária de territórios historicamente ocupados por seus ancestrais. Sua trajetória também foi marcada pela busca por justiça para seu filho Gabriel Pacífico dos Santos, conhecido como Binho do Quilombo, outro defensor de direitos que foi brutalmente assassinado há 6 anos. 

As mortes de Bernadete e Binho expõem como o racismo, a intolerância religiosa e a disputa por terras submetem  povos e comunidades tradicionais a uma condição extrema de marginalização que coloca em risco milhares de vidas. Um levantamento da Rede de Observatórios de Segurança, aponta a Bahia na segunda posição no raking de estados  brasileiros mais violentos para estes territórios e comunidades tradicionais. 

A Abong lamenta profundamente o ocorrido e exige que o Governo  brasileiro tome medidas legais imediatas de proteção ao Quilombo de Pitanga de Palmares e suas lideranças. É necessário que as autoridades locais garantam uma rápida e independente investigação e que os suspeitos de responsabilidade criminal sejam localizados e encaminhados à Justiça  . 

Nossos sentimentos estão com o Quilombo Pitanga dos Palmares, com todas as famílias, amizades e afetos de Mãe Bernadete, assim como as companheiras e companheiros da CONAQ e da luta quilombola. Sua memória e história de dedicação a uma sociedade radicalmente democrática ressoa em  nós e nos apoia na luta por respostas e para a preservação de seu legado. Ainda assim, sua ausência será profundamente sentida. 

Em nome dos coletivos estaduais da Abong, de nossas associadas e diretoria, manifestamos nossa indignação e exigimos justiça. 

Nos encontramos na luta!

 

Saiba mais

Afinal, o que são as ONGs? Saiba mais sobre as organizações não governamentais

As ONGs estão presentes em todo o Brasil; elas trabalham nas mais diversas áreas, contam com voluntários para realizar suas atividades e seus recursos vêm de doações. Para que a população reconheça o trabalho e o impacto das ONGs, organizações do terceiro setor criaram a rede Sociedade Viva

Por Ana Clara Godoi

O Brasil possui cerca de 820 mil ONGs em atividade, trabalhando em diferentes causas e locais do país. Mas você sabe o que é uma ONG, como elas se financiam e qual a importância delas para a sociedade?

As ONGs (Organizações Não Governamentais) também são chamadas de Organizações da Sociedade Civil (OSCs) ou organizações do terceiro setor. Todas elas são entidades privadas, sem fins lucrativos, que nascem a partir da vontade de um grupo de pessoas interessadas em criar soluções para desafios coletivos. ONGs não são empresas, nem fazem parte do governo. Existem as organizações pequenas, criadas por lideranças comunitárias, que atuam em um bairro ou região, e as de maior porte; a maioria delas é brasileira, mas também existem ONGs fundadas no exterior que trabalham no Brasil. Você deve conhecer algumas, como a Cruz Vermelha, os Médicos Sem Fronteiras e o Greenpeace.

Você sabe porquê as ONGs existem? Cerca de 50% delas são voltadas a garantia dos direitos humanos de diversos grupos; elas atuam pela redução das desigualdades sociais, o combate à fome, ao racismo e à LGBTfobia. Outros 20% são formados por associações de pais, professores, alunos e moradores. Também há aquelas que defendem a criação de políticas públicas que tornem o Brasil mais democrático e justo, protejam o meio ambiente e promovam o respeito às diferenças.

E quem trabalha nas ONGs? As organizações possuem voluntários, atores fundamentais para a realização dos projetos. De acordo com a FIPE (2023), o Brasil possui mais de 6 milhões de pessoas trabalhando voluntariamente. No entanto, as entidades precisam contratar profissionais que garantam seu funcionamento. São trabalhadores da área financeira e de recursos humanos, médicos, professores, biólogos, pesquisadores, comunicadores, assistentes sociais e advogados. E para isso, são necessários recursos.

Quase a totalidade (83%) das ONGs dependem exclusivamente de doações para seguir trabalhando. Somente 17% das ONGs recebem recursos do governo, quase sempre porque prestam algum tipo de serviço, tal como a gestão de creches, hospitais, etc. Todas as demais, para se manterem, precisam das doações de milhares de pessoas, de empresas, fundações e institutos filantrópicos. Quando o recurso vêm de prefeituras, estados e governo federal, o repasse é feito por meio de parcerias e acompanhado pelos órgãos de fiscalização. E o dinheiro é utilizado para a construção de uma sede, compra de equipamentos e realização de atividades.

A expressão ONG foi criada para dar nome a todas essas organizações que trabalham pelo bem comum, mas não existe a figura jurídica ONG. Para ter um CNPJ, a ONG deve ser uma associação ou uma fundação. Qualquer pessoa pode fundar uma ONG. Quase todas as ONGs são associações porque, para criar uma fundação, é preciso ter um patrimônio inicial. Por isso, é mais comum vermos fundações que contam com recursos e doam para outras ONGs.

Para informar a população brasileira sobre a importância e o impacto do trabalho das ONGs, foi criada a rede Sociedade Viva. A coalizão busca conectar e mobilizar pessoas em torno das causas sociais, para transformar o Brasil. O Observatório do Terceiro Setor é fundador da plataforma junto com a ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos), ABONG (Associação Brasileira das Organizações Não Governamentais), GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), Plataforma MROSC (Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil) e o Movimento por uma Cultura de Doação.

Matéria publicada em: https://observatorio3setor.org.br/noticias/afinal-o-que-sao-as-ongs-saiba-mais-sobre-as-organizacoes-do-terceiro-setor/

Imagem: Freepik.com

Saiba mais

Declarações de Zema por união contra estados pobres provoca reações

Fala do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, reverbera negativamente na sociedade e provoca uma onda de repúdio à tese da aliança dos estados ricos contra benefícios fiscais das regiões mais pobres do país

Assinado por Evandro Éboli

No universo político, da esquerda à direita, a manifestação recente do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), permeada de preconceito regional, foi rechaçada com ênfase. Mas, ao propor uma aliança entre estados do Sul e do Sudeste — e não foi a primeira vez que surge com essa ideia —, o gestor estimulou ataques racistas e xenófobos contra o Norte e o Nordeste, um comportamento que não se controla nas redes sociais e que tem acompanhado o país, em especial, nos últimos quatro anos. Esse tipo de pensamento não é indissociável do bolsonarismo, corrente abraçada por Zema.

Outra colocação do governador, na entrevista ao Estado de S. Paulo, foi que o Brasil funciona como um “produtor rural que começa só a dar tratamento bom para as vaquinhas que produzem pouco e deixa de lado as que estão produzindo muito”, entendida como uma provocação aos nordestinos. Foram palavras, com sua força, suficientes para assanhar os mais radicais.

A insinuação de que o Nordeste pouco produz não encontra respaldo na realidade de uma região que sedia grandes empresas, tem uma forte indústria do turismo e ainda dá exemplo na exploração da energia limpa. A provocação separatista de Zema foi alvejada por outros setores da sociedade, como intelectuais, jornalistas, cientistas políticos e dirigentes de organizações não governamentais que atuam, ao contrário, na promoção de um Brasil só.

Biógrafo do paraibano Jackson do Pandeiro, o jornalista e intelectual Fernando Moura, presidente da Fundação Casa de José Américo, em João Pessoa, diz que a fala separatista de Zema não é nova e que o tema já foi alvo de um livro há quase 100 anos, no seu estado, cuja publicação foi cassada por Getúlio Vargas. Moura lembra também da canção Nordeste independente, gravada por Elba Ramalho, de autoria de Bráulio Tavares e Ivanildo Vilanova. A música, é uma resposta à tentativa separatista com tons de ironia, mas que exalta uma hipotética nação nordestina: “Dividindo a partir de Salvador/ O Nordeste seria outro país/ Vigoroso, leal, rico e feliz/ Sem dever a ninguém no exterior”, diz um dos versos da canção.

Moura não vê graça alguma na fala do governador mineiro e dá sua estocada: “Quem propõe algo dessa natureza ou é pela ignorância, galhofa, ou para dar uma roupagem estética artística, como a da música gravada por Elba. Ou por empáfia, preconceito e xenofobia. Ou mesmo por uma estratégia política suicida, que é o caso de Zema. Pensar algo assim é antipatriótico, anacrônico, preconceituoso, uma alucinação. E, se vier a ser candidato a presidente, não terá o voto do nordestino. Foi um tiro no pé. O governador não está nem no campo dos ignorantes, dos irônicos nem, muito menos, no dos poetas. Está meramente no campo da estratégia política suicida”.

“Apartheid nacional”

No entendimento dos entrevistados pelo Correio, se repete também a dedução de que Zema buscou holofote político e tenta se cacifar como herdeiro do bolsonarismo. E não só isso, como refletida na declaração de Moura. Os elementos como preconceito e ignorância cercam a fala do gestor mineiro. Diretora da Associação Nacional de Organizações Não Governamentais (Abong), a travesti baiana Keila Simpson considera que a declaração do político promove um “apartheid nacional”.

“Nos últimos quatro anos, esse discurso foi potencializado. A divisão do Brasil em dois polos. Foi o que se viu na campanha eleitoral de determinado candidato. O Nordeste sempre foi colocado em xeque por esses pensamentos de colonizadores, que pensam exatamente isso, que a Região é parte subdesenvolvida, que o Sudeste é rico e que o Norte não existe. Na boca de um gestor público reverbera, e parte da sociedade acompanha. E (o discurso) se naturaliza”, disse Simpson.

“O que ele pregou foi um apartheid nacional. Me recuso a repetir. É desconhecer a pujança do Nordeste, um centro mobilizador, industrial e polo de tanta coisa, como o turismo, uma indústria. As pessoas falam essas coisas e depois vão passear na costa marítima lá da Região. Faz sentir vergonha que um gestor faça uma provocação dessas. Uma mentalidade tacanha e reducionista, mas que, infelizmente, ganha coro de pequena parcela. Não queremos essa divisão. É algo que nem deveria estar sendo debatido”.

Os analistas políticos enxergam na declaração de Zema uma tentativa do governador em ocupar um espaço deixado por Jair Bolsonaro e obter ganhos na sua disputa interna com o governador Tarcísio Freitas (São Paulo) e até mesmo com a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Para o cientista político André Cesar, da Hold Assessoria Legislativa, Zema de um “tiro muito forte, errado e no pé”.

“Fez algo equivocado, totalmente errado. E isso vai ter um custo, um preço. Até porque não é uma figura nacionalmente conhecida, que precisa, ao contrário, construir sua imagem. E começou muito mal. O vejo com limitações. Agora, mais ainda. Tem teto baixo”, disse ele.

“Consciência limpa”

No fim da semana passada, Zema voltou a falar sobre suas declarações e afirmou não se arrepender. “Estou com minha consciência limpa e gosto muito de trabalhar. E me parece que temos muita gente preocupada no Brasil em criar polêmica e preocupada com a próxima eleição. Estou preocupado é com realização. Estou aqui trabalhando e tem gente aí fazendo intriga.”

Matéria originalmente publicada em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2023/08/5116829-declaracoes-de-zema-por-uniao-contra-estados-pobres-provoca-reacoes.html

Créditos da imagem: Andrea Magnoni/Projeto Cores e Flores para Tita.

Saiba mais

Sociedade Viva conecta pessoas às causas sociais para transformar o Brasil

Para informar as pessoas sobre o trabalho das ONGs que estão por todo o Brasil e atuam nas mais diversas áreas, organizações do terceiro setor criaram a plataforma Sociedade Viva

Por Ana Clara Godoi

As ONGs estão presentes em todo o Brasil e ajudam a população nas mais diversas áreas, desde o acesso à direitos básicos como comida, saúde e moradia, até questões amplas como a preservação da natureza e o combate ao preconceito. Elas mobilizam pessoas em periferias, hospitais, florestas e nas ruas, lutando pela democracia e a igualdade. Não possuem lucros, não são empresas e nem parte do governo.

Em um compromisso para engajar a sociedade e contar um pouco sobre o impacto do trabalho das ONGs no país, um conjunto de organizações representantes do terceiro setor criou a plataforma Sociedade Viva. A rede tem como objetivo unir pessoas em uma ação coletiva para fortalecer as causas sociais. No site da iniciativa, é possível acessar materiais que divulgam o trabalho das ONGs e explicam o que elas são, o que fazem e como se financiam.

As redes sociais cumprem um papel muito importante para que mais pessoas conheçam esse trabalho e queiram fazer parte da união. Por isso, a Sociedade Viva incentiva você, que já faz parte de uma organização social, a conhecer e compartilhar o conteúdo nos seus canais digitais. Ele está disponível no site, no Instagram e no canal do YouTube da iniciativa.

A rede foi lançada no Festival ABCR 2023 e tem como fundadores o Observatório do Terceiro Setor, a Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), Plataforma MROSC (Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil), GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), Abong (Associação Brasileira das Organizações Não Governamentais) e o Movimento por uma Cultura de Doação.

A Sociedade Viva está alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU, conhecidos como ODS. O conjunto de 169 metas, divididos em 17 temáticas, busca construir uma sociedade mais justa, sustentável e sem violência, garantindo os direitos humanos de toda a população.

Saiba mais

Um abraço, Betinho

 

Por Athayde Motta

Antropólogo, diretor do Ibase e da Abong

Amanhã, dia 9 de agosto, faz 26 anos da morte do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, fundador do Ibase e inspirador de outras tantas iniciativas de exercício da cidadania e combate às desigualdades. Desde sua partida, fazemos algo para celebrar seu legado e reafirmar sua importância e presença para o Ibase. Em 2023 optamos por colocar um painel com a imagem de Betinho em nossa nova sede. A frase “Um abraço, Betinho” era como ele assinava suas correspondências – fossem destinadas a um(a) voluntário(a) na distribuição de cestas básicas ou a uma autoridade pública. Betinho não diferenciava pessoas, mas sabia extrair o melhor de cada uma delas.

O painel foi instalado na nova sede do Ibase.

Trata-se de uma homenagem mas principalmente de uma forma de preservar sua inspiração constante, de manter vivo seu caráter criativo e inovador em nossos projetos e ações cotidianas. Quem conviveu com Betinho jamais esquecerá esse olhar que sempre traduziu tão bem sua indignação diante das injustiças e sua força intelectual para buscar soluções possíveis para melhorar a vida de quem mais precisa.

Como sociólogo, Betinho soube unir o saber acadêmico, a avaliação de políticas públicas e o engajamento de todos(as) nas mudanças que tanto defendia.

Betinho lutou pela liberdade de expressão, lutou contra a fome e a miséria, lutou contra o abandono de nossas crianças, lutou contra a privatização dos serviços públicos, lutou contra a disseminação da Aids. Betinho lutou inclusive pela própria vida, pois como hemofílico sua batalha pela sobrevivência foi diária.

A nós, que somos parte de seu inesquecível legado, não nos resta outro caminho a não ser lutar também. Ao longo de mais de 40 anos, o Ibase segue atuando firmemente para que a democracia e a cidadania sejam – de fato – vividas por cada brasileiro e brasileira.

Os cinco princípios da democracia elencados por Betinho – Igualdade, Liberdade, Diversidade, Solidariedade e Participação – são valores que cultivamos todos os dias.

O abraço que Betinho deixou segue a nos inspirar.

 

Por: https://ibase.br/um-abraco-betinho/

 

 

Saiba mais

Organizações da Sociedade Civil e as reformas do estado e tributária

Como o Marco Regulatório da Sociedade Civil pode alavancar a captação de recursos no terceiro setor

Por: Laís de Figueirêdo Lopes

Advogada, sócia de SBSA Advogados e Presidente da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB/SP. Foi Assessora Especial do Ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, de 2011 a 2016.

Em 31 de julho de 2014 o Palácio do Planalto realizava a cerimônia de sanção do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC). Dilma Rousseff sancionou a Lei n.º 13.019/2014 aprovada no Congresso Nacional, após uma década de tramitação.

Vera Masagão, à época Diretora-Executiva da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (ABONG), comparou o MROSC a uma obra de saneamento básico, difícil de construir, escondida embaixo da terra, e que era base para outras obras e políticas. Item de primeira necessidade que o Estado deve ofertar na infraestrutura de dignidade e garantia de direitos.

Em sua origem, o MROSC representa a agenda de aperfeiçoamento do ambiente jurídico e institucional relacionado às organizações e às relações de parceria com o Estado. O processo de construção coletiva com vozes ativas de agentes públicos e da sociedade civil gerou consensos relevantes.

A lei conquistada incentiva arranjos institucionais específicos com organizações, redes, movimentos e coletivos. Trata a diversidade do campo como uma riqueza do nosso país. Com ela, a participação social alargou seu espaço e a sua legitimidade na formulação e execução de políticas públicas.

Pode-se dizer que a discussão regulatória avançou bastante. Mecanismos de controle e transparência dos repasses de recursos públicos, considerando as peculiaridades das organizações, foram institucionalizados de maneira mais racional e assertiva.

As leis anteriores de 1998 e 1999 –sobre Organizações Sociais (OS) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP)– não abarcaram todo o setor. Era preciso ampliar a abrangência da norma de parcerias e estabelecer com mais firmeza os alicerces do controle de resultados. Há desafios de mudança de cultura na implementação.

Parte do preconceito institucional com o modus operandi privado sem fins lucrativos das organizações vem do desconhecimento sobre o campo.

É que não ser governo, nem empresa, dificulta a compreensão do senso comum sobre o terceiro setor. Os exemplos ajudam a entender melhor. O MROSC é para todos.

É para creches, para entidades que atuam com pessoas idosas, para santas casas. É para organizações que atendem migrantes, que lutam por direitos humanos, que protegem o meio ambiente. É para institutos de ciência e tecnologia, de esportes, para centros culturais. É para fundações empresariais, para fundos filantrópicos, para cooperativas de catadores de resíduos sólidos. É para organizações religiosas que atuam com objetos de interesse público.

É para lidar com a seca no semiárido, para apoiar ações da primeira infância, para enfrentar o racismo, o machismo, o capacitismo e todas as formas de discriminação que afetam nossa sociedade.

É para fazer o Estado funcionar de maneira mais permeável, participativa e solidária.

Ao mesmo tempo em que se comemora essa reforma do estado nas relações de parceria, se registra que é preciso avançar nas questões tributárias que ainda remanescem. A reforma tributária precisa ser benéfica também para o Terceiro Setor.

A desoneração das doações feitas às instituições sem fins lucrativos, aprovada na Câmara dos Deputados em julho último, é pleito relevante da agenda de sustentabilidade do MROSC. Solidariedade e filantropia não devem ser tributadas, dizem as organizações. E elas estão certas.

Estudo da FGV Direito SP em parceria com o Gife, lançado em 2019, analisou a legislação de 75 países. A maioria estimula as doações para organizações da sociedade civil. O Brasil faz parte de um grupo minoritário de três países que ainda taxam essas doações, ao lado da Croácia e da Coreia do Sul.

É preciso fomentar as organizações da sociedade civil para que continuem a fazer o seu papel, complementar ao Estado, com perenidade, crítica e inovação. A cultura de doações brasileira segue em construção e a legislação pode estimulá-la. Doações significam votos de confiança e apoio ao trabalho e às causas. Democracias consolidadas precisam de Estado forte e de uma sociedade civil tão forte quanto.

Lais Figueiredo – Foto: Fernando Genaro/Divulgação

Matéria originalmente publicada no Jornal Folha de S. Paulo (01/08/2023): https://www1.folha.uol.com.br/colunas/papo-de-responsa/2023/08/organizacoes-da-sociedade-civil-e-as-reformas-do-estado-e-tributaria.shtml

 

Saiba mais